terça-feira, 21 de maio de 2019

Zaratustra respondeu: “Amo os homens”.

Zaratustra desceu sozinho das montanhas sem encontrar ninguém. Ao chegar aos bosques
deparou-se-lhe de repente um velho de cabelos brancos que saíra da sua santa cabana para
procurar raízes na selva. E o velho falou a Zaratustra desta maneira:

“Este viandante não me é desconhecido: passou por aqui há anos. Chamava-se Zaratustra, mas
mudou. Nesse tempo levava as suas cinzas para a montanha. Quererá levar hoje o seu fogo
para os vales? Não terá

medo do castigo que se reserva aos incendiários?

Sim; reconheço Zaratustra. O seu olhar, porém, e a sua boca não revelam nenhum enfado.
Parece que se dirige para aqui como um bailarino!

Zaratustra mudou, Zaratustra tornou-se menino, Zaratustra está acordado. Que vais fazer agora
entre os que dormem?

Como no mar vivias, no isolamento, e o mar te levava. Desgraçado! Queres saltar em terra?
Desgraçado! Queres tornar a arrastar tu mesmo o teu corpo?”

Zaratustra respondeu: “Amo os homens”.

“Pois por que – disse o santo – vim eu para a solidão? Não foi por amar demasiadamente os
homens?

Agora, amo a Deus; não amo os homens.

O homem é, para mim, coisa sobremaneira incompleta. O amor pelo homem matar-me-ia”.
Zaratustra respondeu: “Falei de amor! Trago uma dádiva aos homens”.

“Nada lhes dês – disse o santo. – Pelo contrário, tira-lhes qualquer coisa e eles logo te
ajudarão a levá-la. Nada lhes convirá melhor, de que quanto a ti te convenha.

E se queres dar não lhes dês mais do que uma esmola, e ainda assim espera que tá peçam”.

“Não – respondeu Zaratustra; – eu não dou esmolas. Não sou bastante pobre para isso”. O
santo pôs-se a rir de Zaratustra e falou assim: “Então vê lá como te arranjas para te aceitarem
os tesouros. Eles desconfiam dos solitários e não acreditam que tenhamos força para dar. As
nossas passadas soam solitariamente demais nas ruas. E, ao ouvi-las perguntam assim como
de noite, quando, deitados nas suas camas, ouvem passar um homem muito antes do alvorecer:
Aonde irá o ladrão?

Não vás para os homens! Fica no bosque!

Prefere à deles a companhia dos animais! Por que não queres ser como eu, urso entre os ursos, ave entre aves?".

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