terça-feira, 21 de maio de 2019

Aos trinta anos apartou-se Zaratustra

Aos trinta anos apartou-se Zaratustra da sua pátria e do lago da sua pátria, e foi-se até a
montanha. Durante dez anos gozou por lá do seu espírito e da sua soledade sem se cansar.
Variaram, porém, os seus sentimentos, e uma manhã, erguendo-se com a aurora, pôs-se em
frente do sol e falou-lhe deste modo:

“Grande astro! Que seria da tua felicidade se te faltassem aqueles a quem iluminas? Faz dez
anos que te abeiras da minha caverna, e, sem mim, sem a minha águia e a minha serpente,
haver-te-ias cansado da tua luz e deste caminho.

Nós, porém, esperávamos-te todas as manhãs, tomávamos-te o supérfluo e bemdizíamos-te.
Pois bem: já estou tão enfastiado da minha sabedoria, como a abelha que acumulasse
demasiado mel. Necessito mãos que se estendam para mim.

Quisera dar e repartir até que os sábios tornassem a gozar da sua loucura e os pobres da sua
riqueza. Por isso devo descer às profundidades, como tu pela noite, astro exuberante de
riqueza quando transpões o mar para levar a tua luz ao mundo inferior.

Eu devo descer, como tu, segundo dizem os homens a quem me quero dirigir. Abençoa-me,
pois, olho afável, que podes ver sem inveja até uma felicidade demasiado grande!

Abençoa a taça que quer transbordar, para que dela manem as douradas águas, levando a
todos os lábios o reflexo da tua alegria!

Olha! Esta taça quer de novo esvaziar-se, e Zaratustra quer tornar a ser homem”.

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