sexta-feira, 2 de agosto de 2019

POR QUE MUITAS PESSOAS DIZEM ACREDITAR EM AFIRMAÇÕES SOBRENATURAIS NÃO COMPROVADAS?

039. POR QUE MUITAS PESSOAS DIZEM ACREDITAR EM AFIRMAÇÕES SOBRENATURAIS NÃO COMPROVADAS?


Uma história pode ser pura ficção e ainda assim prover-me de uma identidade e fazer-me sentir que minha vida tem sentido. De fato, até onde vai nosso melhor entendimento científico, nenhuma dos milhares de narrativas que diferentes culturas, religiões e tribos inventaram ao longo da história é verdadeira. São todas apenas invenções humanas. Se você perguntar qual é o verdadeiro sentido da vida e obter como resposta uma narrativa, saiba que esta é a resposta errada. Os detalhes precisos não têm importância. Toda história está errada, simplesmente por ser uma história. O universo não funciona como uma história.

Por que pessoas acreditam nessas ficções?
Um motivo é que sua identidade está construída com base em uma narrativa. As pessoas são ensinadas a acreditar nessa narrativa desde a mais tenra infância. Elas a ouvem de seus pais, seus professores, seus vizinhos e da cultura geral antes de terem desenvolvido a independência intelectual e emocional necessária para questionar e verificar essas narrativas. Quando seu intelecto amadurece, estão tão pesadamente imbuídas da narrativa que é muito mais provável que usem seu intelecto para defende-la do que para duvidar dela. A maioria das pessoas que vão em busca de uma identidade são como crianças numa caça ao tesouro. Só descobrem o que seus pais esconderam.

E, segundo, não somente nossas identidades pessoais como também nossas instituições coletivas estão embutidas na narrativa. Consequentemente, é muito assustador duvidar dela. Em muitas sociedades, quem tenta fazer isso é banido ou perseguido. Mesmo se não, é preciso ter nervos fortes para questionar a própria tessitura da sociedade. Porque se realmente a história for falsa, então todo o mundo, como o conhecemos, não faz sentido. Leis do Estado, normas sociais, instituições econômicas — tudo pode desmoronar.

A maior parte das narrativas é mantida junta pelo peso de seu telhado e não pela solidez de suas fundações. Considere a narrativa cristã. Tem a mais frágil das fundações. Que evidência temos de que o filho do Criador de todo o universo nasceu na forma de uma vida orgânica, em algum lugar da Via Láctea cerca de 2 mil anos atrás? Que evidência temos de que isso aconteceu na Galileia, e que Sua mãe era virgem? No entanto, instituições enormes foram construídas sobre essa narrativa, e seu peso pressiona com tamanha força que elas mantêm essa história no lugar. Guerras inteiras foram travadas pela mudança de uma única palavra na narrativa. O cisma de mil anos entre os cristãos ocidentais e os cristãos ortodoxos do leste, que se manifestou recentemente na carnificina mútua de croatas por sérvios e de sérvios por croatas, começou devido a uma única palavra, filioque (“e do filho” em latim). Os cristãos do Ocidente queriam introduzir essa palavra na profissão de fé cristã, enquanto os cristãos do Oriente se opunham veementemente.

Quando identidades pessoais e sistemas sociais são construídos sobre uma narrativa, torna-se impensável duvidar dela, não devido a uma evidência que a sustenta, mas porque seu colapso desencadearia um cataclismo pessoal e social. Na história, o telhado é às vezes mais importante que as fundações.


Yuval Harari no Livro 21 Lições para o Século 21

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