quinta-feira, 1 de agosto de 2019

37. A PREOCUPAÇÃO COM O FUTURO

37. A PREOCUPAÇÃO COM O FUTURO

Os caçadores-coletores normalmente não perdiam muito tempo pensando no mês ou no verão seguinte. Já os agricultores viajavam, em sua imaginação, anos e décadas no futuro.


Os caçadores-coletores desconsideravam o futuro porque viviam do que havia disponível e somente com dificuldade conseguiam conservar alimentos ou acumular bens. É claro que eles faziam alguns planos. Os criadores da arte rupestre de Chauvet, Lascaux e Altamira quase certamente pretendiam que sua obra durasse gerações. As alianças sociais e as rivalidades políticas eram negócios de longo prazo. Muitas vezes se levava anos para retribuir um favor ou vingar uma ofensa. No entanto, na economia de subsistência da caça e da coleta, havia um limite óbvio a tal planejamento de longo prazo. Paradoxalmente, isso poupava os caçadores-coletores de muitas ansiedades. Não fazia sentido se preocupar com coisas que eles não podiam controlar.

A Revolução Agrícola tornou o futuro muito mais importante do que havia sido até então. Os agricultores sempre precisam ter o futuro em mente e trabalhar em função dele. A economia agrícola se baseava em um ciclo sazonal de produção, compreendendo longos meses de cultivo seguidos de breves períodos de colheita. Na noite após o fim de uma colheita farta, os camponeses podiam celebrar tudo o que tinham obtido, mas dali a uma semana estavam novamente se levantando ao amanhecer para uma longa jornada de trabalho no campo.

Embora houvesse comida suficiente para o dia seguinte, a semana seguinte e até mesmo o mês seguinte, eles precisavam se preocupar com os anos seguintes. A preocupação com o futuro tinha origem não só nos ciclos sazonais de produção como também na incerteza fundamental da agricultura. Uma vez que a maioria dos vilarejos vivia do cultivo de uma variedade limitada de plantas e animais domesticados, eles estavam à mercê de secas, inundações e pestes.

Os camponeses eram obrigados a produzir mais do que consumiam para que pudessem acumular reservas. Sem grãos no silo, frascos de azeite no porão, queijo na despensa e linguiças pendendo das vigas no telhado, eles passariam fome em anos ruins. E eles estavam fadados a se deparar com anos ruins, mais cedo ou mais tarde. Um camponês vivendo com base na suposição de que não haveria anos ruins não vivia por muito tempo.

Em consequência, desde o advento da agricultura as preocupações com o futuro se tornaram atores importantes no teatro da mente humana. Onde os agricultores dependiam da chuva para regar seus campos, o início da estação chuvosa significava que todas as manhãs eles olhavam para o horizonte, cheirando o vento e apertando os olhos. Aquilo era uma nuvem? As chuvas viriam em tempo? Choveria o suficiente? Tempestades violentas varreriam as sementes dos campos e destruiriam as mudas? Enquanto isso, nos vales dos rios Eufrates, Indo e Amarelo, outros camponeses monitoravam, com não menos apreensão, o nível da água. Eles precisavam que os rios subissem a fim de espalhar a camada superior de solo fértil trazida das terras altas, e enchessem de água seus vastos sistemas de irrigação. Mas as cheias fora de hora ou abundantes demais podiam destruir os campos tanto quanto uma seca. Os camponeses se preocupavam com o futuro não só porque tinham mais
motivos para se preocupar, mas também porque podiam fazer algo a respeito. Podiam limpar outro campo, cavar outro canal de irrigação, diversificar os tipos de cultivo. O camponês ansioso era tão frenético e trabalhador quanto uma formiga-cortadeira no verão, suando para plantar oliveiras cujo azeite seria prensado por seus filhos e netos, protelando até o inverno ou até o ano seguinte o consumo do alimento desejado no presente.

O estresse representado pela agricultura teve consequências importantes. Foi a base dos sistemas políticos e sociais de grande escala. Infelizmente, mesmo trabalhando duro, os camponeses quase nunca alcançaram a segurança econômica futura que tanto ansiavam. Em toda parte, brotaram governantes e elites, vivendo do excedente dos camponeses e deixando-os com o mínimo para a subsistência. Esses excedentes de alimento confiscados alimentaram a política, a guerra, a arte e a filosofia. Construíram palácios, fortes, monumentos e templos. Até o fim da era moderna, mais de 90% dos humanos eram camponeses que se levantavam todas as manhãs para trabalhar a terra com o suor da fronte.

Os excedentes que produziam alimentavam a ínfima minoria das elites – reis, oficiais do governo, soldados, padres, artistas e pensadores –, que enchem os livros de história.

A história é o que algumas poucas pessoas fizeram enquanto todas as outras estavam arando campos e carregando baldes de água.


Yuval Harari no Livro Sapiens, Uma Breve História da Humanidade

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